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Sorria! Você está sendo filmado...

Em 1948, o escritor inglês George Orwell escreveu sobre um Estado onipresente, cuja tirania e poder ilimitado era capaz de mudar até a História e o idioma, além de manter o país em guerra e a sociedade sob tortura e opressão. O livro recebeu o título de 1984. A personagem principal é chamada Big Brother, ou seja, o “Grande Irmão”, um líder totalitário que coordena todo tipo de manipulação e vigilância dos cidadãos.

Quase sessenta anos depois da publicação deste livro, não vivemos em um regime político totalitário, mas podemos admitir que somos vigiados pelas máquinas. Câmeras monitoram ruas, bancos, estabelecimentos comerciais, condomínios, elevadores, ruas e avenidas. Sob a justificativa da proteção, principalmente daqueles que vivem nos grandes centros urbanos, nos tornamos protagonistas de um filme, o filme do nosso cotidiano, geralmente gravado sem a nossa permissão.

Os holandeses John De Mol e Joop van den Ende colocaram esta vigilância sob outro ângulo. À frente da empresa Endemol, criaram o programa televisivo Big Brother, cujo formato já foi copiado e transmitido em diversas partes do mundo. Neste ano, os brasileiros acompanharam a sétima edição do Big Brother Brasil, que manteve uma audiência considerável, embora cada vez mais o programa seja previsível e manipulável pelos seus participantes.

O criador do formato, em entrevista recente, afirmou que o nome não tem nada a ver com o livro de Orwell – que ele teria lido apenas depois de produzir o programa. A idéia teria partido, então, de um projeto científico chamado Biosfera 2. Entre 1991 e 1993, no Arizona (EUA), um grupo de oito cientistas ficou confinado em uma redoma de vidro com 12 mil metros quadrados, a fim de reproduzir uma miniatura do planeta Terra.

O projeto científico fracassou mas, em 1999, na Holanda, foi lançada a primeira experiência de confinar anônimos em uma casa, monitorados 24 horas por câmeras que, por sua vez, transmitiam as imagens para milhares de telespectadores. A idéia foi um sucesso de audiência e faturamento, dando origem aos mais diversos tipos de programa e criando o formato reality show.

Além de Big Brother, a televisão brasileira já importou ou copiou reality shows como No Limite, Fama, Hipertensão, Acorrentados, Amor a Bordo, Guerra do Sono, Ídolos, Casa dos Artistas e O Aprendiz. Os objetivos são os mais variados, desde um prêmio milionário, um companheiro (ou companheira), até a busca do sucesso musical ou de um grande emprego.

Por um lado, podemos pensar no que leva uma pessoa a se expor publicamente. Será somente o prêmio ou também a tentativa de sair do anonimato, tornar-se uma celebridade? Por outro lado, também podemos pensar no que leva uma pessoa a assistir este tipo de programa. Identificação? Curiosidade?

Infelizmente, o que assistimos e reproduzimos tem sido uma banalização do ser humano, que passa a ser exibido como se estivesse em uma vitrine, onde se louva aquele que é bem sucedido e se elimina aquele que fracassa. Os relacionamentos tornam-se cada vez mais superficiais e geralmente atendem a algum interesse pessoal. A privacidade e o pudor cada vez mais são desprezados. Enquanto isso, o que nós faremos? Continuaremos a “dar uma espiadinha”?

(Publicado em abril/2007 na Revista Ave Maria)

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