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Presença brasileira na reconstrução do Timor Leste

Reportagem: Fábio Davidson (abril/2005)
Fotos (reportagem): Fábio Davidson
Fotos (Timor Leste): Dora Martins


Fortalecer e consolidar a Justiça do Timor Leste. Esta é uma das missões da juíza brasileira Dora Aparecida Martins, que viaja para o país ainda neste ano. Durante um ano, ela trabalhará com os processos da Justiça local e auxiliará na formação de juízes timorenses, como parte do Projeto de Cooperação Brasil-Timor Leste.
Dora Martins já conhece o país. “Participei, como juíza internacional, da Missão de Paz da ONU, UNMISET United Nation Mission of Suport of East Timor , que vem atuando naquele país desde 1999”. A juíza fez parte do Painel de Crimes Graves, um tribunal formado por juízes internacionais e timorenses, para julgar os crimes de guerra ocorridos em 1999, ano em que os cidadãos timorenses votaram pela independência da Indonésia, através de um plebiscito, com o apoio da ONU.
Os brasileiros marcaram a História do Timor. No ano 2000, Sérgio Vieira de Mello foi o diretor de operações da ONU no Timor Leste, para traçar o regramento básico e necessário para a estruturação do país. Após sua saída do Timor, Vieira de Mello foi indicado, em 2003, como representante especial da ONU no Iraque, onde morreu em um atentado à sede da organização em Bagdá, em 19 de agosto de 2003.
Outra brasileira conhecida pela população timorense é a atriz Lucélia Santos. O advogado e jornalista timorense José Ramos-Horta convidou a atriz Lucélia Santos para a cerimônia da entrega do Prêmio Nobel da Paz recebido por ele em 1996, devido a sua luta pela causa do Timor. Lucélia ficou conhecida entre os timorenses através das novelas e por sua participação, com outros artistas e intelectuais brasileiros, de um movimento intitulado “Artistas Pró-Timor Leste”, nos anos 90. Em 2001, dirigiu o documentário Timor Lorosae, sobre a luta do país. (Saiba mais sobre o filme em www.timor-ofilme.com).
A juíza Dora Martins permaneceu durante 347 dias no Timor, entre 2003 e 2004. Neste período pôde conhecer e se integrar à cultura, língua e povo local. Justamente pela atuação da juíza brasileira neste período, o governo timorense solicitou sua indicação para voltar ao país em 2005.
Com a juíza, irão um promotor e de dois defensores públicos brasileiros. O projeto é estruturado pela Agência Brasileira de Cooperação, um órgão do Itamarati vinculado ao Ministério das Relações Exteriores. O convênio, firmado em 2004 entre os governos brasileiro e timorense, visa o desenvolvimento de projetos de apoio nas áreas de saúde, educação e Justiça.
O mês de maio é importante na História do povo da República Democrática de Timor-Leste. Em 20 de maio de 2002 foi promulgada a Constituição do país, marcando o retorno à democracia no país. Este é considerado o verdadeiro Dia da Independência. Há quase trinta anos, em 28 de novembro de 1975, o país havia declarado sua independência, mas esta durou pouquíssimo tempo, pois a vizinha Indonésia acabou dominando o território, impondo uma ditadura que durou até o plebiscito de 1999.

Um país tropical
O Timor tem apenas 170 quilômetros de largura, com um terreno irregular, muitas montanhas e floresta virgem. Sua travessia, de Norte a Sul, pode levar mais de oito horas. “Para quem sai deste imenso Brasil, o Timor é uma minúscula ilha, cercada por um mar azul e transparente e assentada sobre uma imensidão de corais de todas as cores e formas. Parece a cidade de Parati”, afirma Dora Martins. “Conhecia a história [do Timor] e achei muito instigante, muito estimulante a idéia de trabalhar em um país que estava começando. Era para ficar por quatro meses e acabei ficando um ano”.
As marcas da destruição, ocorrida em 1999, está nas casas, prédios e nas vidas das pessoas. Cartórios e documentos foram destruídos, restando a busca da identidade nas certidões de batismo arquivadas nas igrejas que foram poupadas. Mas, ao invés de trazer amargura fizeram do timorense um batalhador. “São magros, mas fortes, os timorenses. Estatura mediana, olhos ora asiáticos, ora redondos, mas sempre brilhantes e sorridentes. Após ganharem a confiança, eles exibem largos sorrisos e nos chamam ‘malai’ e nos perguntam o nome e exultam ao saber que somos do Brasil. Ronaldo, no futebol, e Roberto Carlos, na música, são ídolos!”, observa a juíza brasileira. A presença portuguesa na arquitetura e na gastronomia, somados ao clima tropical, facilitam a adaptação dos brasileiros no país.
O país tem mais de trinta línguas, sendo que o português e Xo tétum (a língua mãe) foram adotados como idiomas oficiais pela Constituição de 2002. “As crianças estão a aprender o português, que também é falado pelas pessoas com idade acima de 45 anos. A geração que nasceu e cresceu sob o domínio indonésio foi obrigada – sob pena de morte – e educada a falar o chamado bahasa (idioma) indonésio”, acrescenta Dora Martins, destacando que, “algumas vezes, para fazer um julgamento era necessário três ou quatro traduções com tradutor simultâneo. Às vezes uma audiência para uma testemunha durava mais de três horas”.

O Timor e o mundo
Atual presidente, o ex-guerrilheiro Xananã Gusmão, é venerado pela população. Foram 20 anos de guerrilha. Em 1994 Gusmão deixou-se prender e atraiu mais ainda a atenção dos organismos internacionais. Em 1996 o prêmio Nobel da Paz foi concedido ao bispo de Dili, Dom Carlos Ximenes Belo e a José Ramos Horta. Em 1997, o presidente Sul-Africano, Nelson Mandela, foi a Jacarta, capital da Indonésia, onde se encontrou com Xanana Gusmão. Mandela passou 27 anos preso por estar à frente da resistência negra ao Apartheid, regime de segregação racial ocorrido na África do Sul.
Depois da independência, o país passa a sofrer as mudanças e adaptações com o Ocidente. Antigamente, por exemplo, não havia concentração de renda. Todos viviam a mesma situação de pobreza, embora não existisse miséria. Com a implantação das novas estruturas, já há indícios de corrupção e surgimento de uma elite.
A estrutura judicial também provoca alterações no estilo de vida do timorense. Antes, a Justiça era exercida dentro de um regime tribal, onde os conflitos eram julgados pelo chefe da aldeia, que também impunha as penas. Com a mudança para o padrão ocidental, o timorense não consegue entender como alguém pode julgá-lo sem conhecer sua vida, seu ambiente social. Ao ser julgado pelo chefe da aldeia, o castigo era, também, uma punição social, perante aqueles com quem o indivíduo convive.
Mas a reconstrução é um processo necessário. Quando a Indonésia desocupou o país, destruiu todas as estruturas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que estavam diretamente ligadas ao governo indonésio. A maior parte dos profissionais liberais saíram do país. É necessária, então, a reestruturação da área educacional. O Liceu (faculdade timorense) tem vários cursos na área de humanas, como Direito, Administração e Letras. Mas, segundo Dora Martins, “não há faculdade de caráter tecnológico, como Medicina, Odontologia, Engenharia, pela falta de estrutura”.

Curiosidades
Água – “Udan tun Matebian tanis” é uma frase popular que significa “a chuva é o choro dos antepassados”. A água está presente o cotidiano timorense, seja em representações mitológicas, através do seu poder de “cura” e nos rituais.
Galo – Durante a Assembléia Constituinte, foi proposta a inclusão de um galo na bandeira nacional. Este animal tem um papel relevante na cultura do país, sempre acompanhando o timorense, mesmo em momentos trágicos e perigosos. Por outro lado, a luta de galo é o jogo mais popular no Timor Leste.
Artesanato – A cestaria é uma das atividades mais comuns em Timor Leste, tanto na produção de peças para venda ao turista, como para uso pessoal. A matéria-prima mais usada são as folhas de palmeiras, entrelaçadas de diferentes formas: diagonal, ortogonal e hexagonal. Também são usadas folhas de coqueiro, casca de côco, sândalo, chifre de búfalo, casca de tartaruga, etc.
Caça submarina – Os habitantes da pequena ilha de Ataúro desenvolveram uma curiosa espingarda para “caça submarina”, em madeira e bambu e com um longo arpão de ferro. O equipamento conta ainda com “óculos de mergulho” de osso ou bambu, cujas lentes são formadas por dois fundos de garrafa colados com cera de abelha.

Dados
População com 0-14 anos de idade: 49%
População com 15-64 anos: 49%
População com mais de 65 anos: 2%
População urbana (censo de 1990): 7,8%
População vivendo com menos de US$1/dia (2001): 20%
População vivendo com menos de US$2/dia (2001): 63%
Esperança de vida à nascença (2001): 57,4 anos (H: 55,6; M:59,2)

Fontes: FMI; Relatório do Desenvolvimento Humano de Timor Leste 2002 (PNUD); Inquérito aos sucos (2001); Inquérito às famílias (2001); InfoTimor.

A longa luta do bravo povo timorense
José de Almeida Amaral Júnior *

Situado em uma ilha do arquipélago indonésio, no Sudeste Asiático, com pouco mais de 14.600 km2 e 770 mil habitantes o pequeno Timor Leste consegue nos últimos anos, a duras penas, respirar o refrescante ar da liberdade.
Ex-colônia de Portugal, que por lá estabeleceu entrepostos comerciais desde 1520, viveu brevemente o sonho da alforria quando em 1974 os socialistas lusos realizaram a Revolução dos Cravos e lhes acenaram a possibilidade da emancipação. Esta, contudo, foi brutalmente abortada pela ação das tropas de Suharto, ditador da vizinha Indonésia, que ocupou o país em 1975. Até o ano de 1999 o povo do Timor Leste (86% católico) viveu sob o domínio indonésio (54% muçulmano) e resistiu sob brutal repressão cujo resultado computou a eliminação de pelo menos 200 mil habitantes e um grande empobrecimento do país.
Em 1996 o Prêmio Nobel da Paz é concedido a dois defensores da independência: o bispo de Dili (capital de Timor Leste), Carlos Ximenes Belo e o ativista José Ramos-Horta. No ano seguinte, a crise econômica enfraqueceu o regime ditatorial que passou a ser atacado por revoltas populares. Há a negociação internacional para um referendo em 1999 sobre a opinião timorense quanto ao domínio sofrido. O resultado revelou o desejo da ampla maioria pela autonomia. Ocorre, então, um massacre promovido por indonésios até a chegada dos “capacetes azuis” da Organização das Nações Unidas. Desse momento até 2002, ano oficial da independência, a condução de Timor Leste foi exercida pela Administração Transitória da ONU. Xanana Gusmão foi eleito presidente.
Mais de 90% dos timorenses vivem da agricultura cafeeira, seu grande produto de exportação. Petróleo marítimo foi descoberto nos anos 90. As Nações Unidas e países estrangeiros doaram então US$ 2,2 milhões para a reconstrução do território arrasado pelas milícias pró-Indonésia após o plebiscito. O governo brasileiro enviou uma delegação para também auxiliar a reorganização. Nossos patrícios notaram que os timorenses nos tomam como “o irmão mais velho das ex-colônias de Portugal”, isto é, uma referência. Nossa língua em comum, portuguesa, foi usada como estratégia de preservação da própria identidade nacional durante a invasão Indonésia quando os movimentos de resistência usaram a cultura portuguesa como sinal de diferença do Timor Leste em contraposição aos opressores. O contundente trabalho cinematográfico realizado em 2002 pela atriz Lucélia Santos: "Timor Lorosae - O Massacre que o Mundo Não Viu", com apoio de registros históricos feitos pelo documentarista inglês Max Stahl, retrata essa dramática saga. É uma prova da tenacidade de uma diminuta nação que acreditou sempre na conquista da sua autonomia. Que sirva de exemplo a todos os povos. Viva o Timor livre!
José de Almeida Amaral Júnior é economista,
professor e músico na horas vagas

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