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Pipoca e Jornalismo

Sérgio Rizzo conta como iniciou no jornalismo cultural, dá dicas para quem deseja seguir esta área e fala sobre o início do Instituto Livre de Jornalismo

Reportagem: Fábio Davidson (Março/2005)
Foto: Raquel Matsushita

Onde cinema e jornalismo se cruzam? Em Sérgio Rizzo, certamente é uma das opções. Formado em jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo e mestre em Artes/Cinema pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), Rizzo é crítico de cinema do jornal Folha de S Paulo e das revistas Set e Educação, além de manter colunas e diversas publicações.

Você sempre gostou de cinema? Qual o primeiro filme que lembra ter assistido?
Aprendi a gostar de filmes e seriados de TV com o meu pai, ainda criança, no final dos anos 60. Mas foi minha mãe quem primeiro me levou ao cinema, para assistir a uma produção Disney cujo nome não me lembro; tinha algo a ver, se a memória não me trai, com "montanha encantada". Não era desenho animado, mas um filme com atores. Fiquei impactado com o tamanho da sala (o Cine Ipiranga), a escuridão, o som, o tamanho da tela e as legendas em português.

Quando começou a escrever sobre cinema?
No final de 1981, aos 16 anos, quando o jornalista Hirão Tessari, editor de dois jornais que já não circulam mais – a "Gazeta da Vila Prudente" e o "Jornal da Vila Formosa" – me desafiou a escrever sobre filmes depois que enviei a ele duas cartas reclamando de alguns textos sobre cinema que haviam sido publicados pelo crítico de teatro dos jornais.

Circula uma história sobre você ter falsificado sua carteira escolar para assistir John Travolta...
Eu tinha 12 anos quando "Os Embalos de Sábado à Noite" foi lançado no Brasil. A censura era 16 anos. A curiosidade em relação ao filme, incontrolável. Eu e um amigo resolvemos falsificar a carteirinha escolar e tentar a sorte no Cine Copan. Como era maior do que os garotos da minha idade, entrei; meu amigo, mais baixo, quase foi barrado, mas acabou entrando também. Depois, me especializei em falsificar carteirinhas, algumas de excelente qualidade, até completar 18 anos.

O centro de São Paulo era onde se concentravam as melhores (e mais bonitas) salas de cinema. Quais foram os principais motivos que levaram a degradação da região?
Não sei dizer ao certo. Cresceu a violência urbana, aumentou o desemprego, parte do comércio e dos serviços se deslocou para a região da Paulista e para os shoppings. Suponho que as razões envolvam diversos outros aspectos.

Há esperanças de renascerem cinemas no formato antigo ou a era dos cinemas de shopping e outlets é irreversível?
Não acredito nisso. A indústria de cinema não está mais formatada para as salas antigas, com capacidade para mil pessoas ou mais. A tendência está com os multiplexes.

O que significa cinema de retomada?
Foi o nome dado pela imprensa, e adotado pelo Ministério da Cultura, para se referir ao ressurgimento da produção nacional depois do governo Collor, quando o número de longas brasileiros no mercado foi reduzido a quase zero.

A qualidade dos filmes brasileiros aumentou de Carlota Joaqunia até Redentor?
Houve uma evolução no acabamento médio.

O que representa a Vera Cruz e a Atlântida para o cinema brasileiro?
Existem livros a respeito, e o assunto não se esgota em uma frase. A Atlântida representou um dos momentos de comunicação do cinema brasileiro com as grandes platéias populares. Já a Vera Cruz foi mal-sucedida tentativa de reproduzir no Brasil o funcionamento do cinema industrial.

Qual o efeito do fim da Embrafilme para o cinema nacional?
No primeiro instante, representou o "zeramento" da produção. Hoje, nota-se que ela faz muita falta como distribuidora de filmes – chegou a ser a maior do país.

A Ancinav pode fortalecer o cinema nacional?
Espero que sim, mas depende da definição exata de seu papel.

O cinema brasileiro tem um padrão estético? A pobreza/miséria é o que mais "vende" para o mercado externo? Há um predomínio da estetização da pobreza?
Não. Não diria isso em termos genéricos. É bem verdade que há um apelo terceiro-mundista em filmes sobre miséria que toca parcela do público na Europa e nos EUA. Mas "Dona Flor" não era sobre isso e foi um dos maiores, senão o maior, êxito internacional do cinema brasileiro.

O público brasileiro não se identifica com o cinema "realidade" indiano ou iraniano, por exemplo?
O público brasileiro de cinema se assemelha muito, hoje, ao americano; por conseqüência, consagra filmes dirigidos ao público jovem. Esses filmes aos quais você se refere atingem pequenas parcelas do público no mundo inteiro (no caso do iraniano, inclusive dentro do seu país; Abbas Kiarostami, por exemplo, é um cineasta quase "maldito" no Irã). É assim também no Brasil.

Jornalistas tornam-se bons documentaristas?
SR – Depende do jornalista. E de diversos aspectos que não se relacionam apenas com a profissão.

O Brasil possui bons documentaristas? Qual o motivo que raramente são encontrados nas locadoras?
As safras recentes de documentários inserem a produção brasileira entre o que de mais significativo se faz hoje no mundo. É uma pena que eles demorem a chegar às locadoras, mas estão chegando – "Ônibus 174", "O Prisioneiro da Grade de Ferro", "Edifício Master" e "Fala Tu" são lançamentos recentes.

Documentário é realidade?
Claro que não. É uma representação da realidade. A diferença básica em relação à ficção é que os personagens e os fatos existem (ou existiram). Mas, na tela, se apresentam como representação.

O Oscar representa a opinião do público ou é o próprio formador de opinião?
O Oscar representa a opinião dos 5 mil e poucos membros da Academia de Hollywood. Essa opinião pode coincidir com a de parcela do público.

Concorrer ao Oscar é um mérito ou desmérito para o cinema nacional?
É estratégico para a inserção do cinema brasileiro no mercado internacional.

Faculdade forma bons jornalistas ou cineastas?
Pode formar. Depende da escola, dos professores e do aluno em questão.

Jornalismo cultural é um bom campo?
É um campo no qual me dou bem. Não sei se ele, no dia-a-dia, corresponde à imagem que estudantes fazem.

O que é necessário para ser um bom jornalista nesta área?
Além dos requisitos básicos para se tornar jornalista, como domínio de texto, um bom repertório nas áreas em que pretende se especializar.

Gosto pessoal X Visão crítica. Há um conflito de interesses ao construir uma crítica?
Não. Gosto se discute – logo, pode dar origem a uma boa crítica.

O jornalismo cultural sofre com as fontes "viciadas"?
Há uma certa repetição de personagens no noticiário. Os agentes culturais reclamam, com razão, desse privilégio.

Sua dissertação de mestrado foi sobre Woody Allen. O que o levou até este tema e quais foram suas conclusões?
Gostava, e ainda gosto muito, dos filmes de Woody Allen. Em busca de temas para analisar na sua obra, me detive sobre dois: o alusionismo (ou o que se costuma chamar, simplificadamente, de "referências" e "homenagens" a outros filmes e cineastas) e o desenvolvimento do clown (a "máscara" humorística que ele usa, ou outros atores usam em seu lugar, em quase todos os seus filmes). Apontei, na dissertação, o filme "Memórias" (Stardust Memories) como um ponto de virada em sua carreira e momento propício para análise daqueles dois temas. Devo a mim mesmo a revisão e atualização desse trabalho, concluído em 1994, para publicação.

Como surgiu a idéia de criar o Ijor (Instituto Livre de Jornalismo)?
Um grupo de ex-professores da Faculdade Cásper Líbero, associado a outros jornalistas e pesquisadores, julgou importante se manter unido com o objetivo, no curto prazo, de promover atividades relacionadas à formação e ao aperfeiçoamento do jornalista, e, no longo prazo, de constituir escola de jornalismo, não necessariamente de graduação, talvez um centro de estudos e pesquisa.

Qual foi o melhor filme (nacional e estrangeiro) que você assistiu em 2004?
Foram muitos os filmes que me agradaram ao longo do ano. Alguns deles: "Passagem Azul", "O Pântano", "Dogville", "O Retorno", "Peões", "O Prisioneiro da Grade de Ferro".

Qual sua recomendação para o estudante que gostaria de seguir a especialização em jornalismo cultural?
Que procure investir na formação de repertório, o que inclui ler muito (e organizadamente) sobre as áreas de sua preferência, conhecer ao menos as obras referenciais (os marcos históricos, digamos) e acompanhar de perto a produção contemporânea.

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