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Silêncio, por favor!

No primeiro dia de maio, comemora-se o Dia do Trabalhador. Dia 13, lembramos a abolição da escravatura no Brasil – embora o preconceito ainda não tenha sido totalmente abolido. Mas quero falar hoje sobre o dia 7 de maio, o Dia do Silêncio.

Em São Paulo, é possível captar pelo sinal aberto, 7 emissoras de TV em VHF e pelo menos 11 em UHF. Se contratar um serviço de tv a cabo, o número sobe para mais de 100 canais. Estatisticamente, há mais televisores do que geladeiras nos lares brasileiros.

Assim, novos hábitos são criados. O madrugar ao som do galo é substituído por aparelhos de televisão programados para despertar o seu dono. Banho, escolha de roupa, café da manhã, tudo passa a ser realizado ao som televisivo. Silêncio para acordar, nem pensar.

Na pausa do almoço, nada melhor para acompanhar um prato rápido do que as notícias do meio do dia. Silêncio na refeição, nem pensar.

Em casa, que tal aprender uma receita nova, saber as últimas fofocas do mundo das celebridades ou deixar os filhos aos cuidados de um desenho animado? Silêncio durante o dia, nem pensar.

O silêncio durante o jantar é o da família, pois todos estão mastigando e atentos ao aparelho mágico, que nos conta o que aconteceu durante o dia e, entre as notícias do bairro e as notícias do mundo, nos leva para “paraísos tropicais”. O dia acaba e o gostoso barulhinho de chuva na hora de dormir é substituído pelo desagradável chuvisco da emissora fora de ar. Silêncio para dormir, nem pensar.

As grandes metrópoles são a antítese do silêncio. Barulho de automóveis, pessoas ao celular, sirenes. No latim, silentiu dá a idéia de interrupção do ruído. Mas, nos poucos momentos em que poderíamos desfrutar um pouco de silêncio, não conseguimos. Qual a razão? Talvez o medo da solidão. Quando o ruído cessa ao nosso redor, entramos em contato com o nosso próprio ser, com nossos medos e anseios.

A vida monástica e as religiões orientais valorizam o silêncio, como estágio necessário à meditação e à contemplação. Henry Nouwen diferencia a solitude (solidão positiva) do isolamento sufocante, que pode ocorrer até mesmo dentro de um ônibus lotado, devido ao egoísmo e ao individualismo. Este isolamento não pode ser eliminado, mas apenas camuflado, quando ligamos o aparelho de televisão para não nos sentirmos sozinhos em nossos lares.

Mas o silêncio pode nos levar à solitude, que produz auto-conhecimento, facilita nosso contato com os outros seres humanos e com o espiritual. Atribui-se à ex-primeira-dama estadunidense Eleanor Roosevelt a frase: “A amizade consigo mesmo é crucial, porque sem ela não se pode ser amigo de ninguém mais no mundo".

Este não é um manifesto contra a televisão, mas sim para um uso mais consciente deste aparelho que, cada vez mais toma conta de nossas vidas. O silêncio é algo que deve ser valorizado e desfrutado de forma agradável. Não só em um dia ao ano, mas em um exercício diário.


(Publicado em maio/2007 na Revista Ave Maria)

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