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Quem é o verdadeiro vilão?

Na quinta-feira (06/03), escrevi um artigo sobre o documentário Juízo. No sábado (08/03), publiquei um texto da juíza Cristiana Cordeiro, sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, retirado do pressbook do filme. Felizmente, o documentário e o assunto tem repercutido. Hoje saiu na Folha de S. Paulo um artigo do juiz Eduardo Rezende Melo, que estava presente na pré-estréia do documentário e foi citado por mim no primeiro texto.

Juízo: os adolescentes exigem da Justiça
Eduardo Rezende Melo

"Juízo" é uma dura crítica ao abandono e à falta de valorização a que é relegada a Justiça da Infância e da Juventude neste país

NOVEMBRO de 1989, 200 anos depois da Revolução Francesa, finalmente crianças e adolescentes tornam-se cidadãs. Ficava claro que não era suficiente a generalidade da proteção de direitos humanos para que crianças e adolescentes fossem respeitados. Era hora de equacionar as relações de poder de cunho geracional.
Foi uma ruptura histórica. Não se poderia mais aceitar supostas ações protetivas de adultos que, em nome de valores os mais diversos, outorgavam-se poderes e permitiam-se ações sobre crianças e adolescentes que jamais admitiriam se praticadas em relação a si próprios. Era preciso que crianças e adolescentes fossem vistos socialmente, como atores sociais, como sujeitos de direitos, sobretudo de participação na tomada de decisão dos assuntos que lhes concerniam.
Pouco mais de 18 anos se passaram daquela data histórica, tempo suficiente para que pudéssemos crer ter atingido a maioridade de uma cultura de respeito e dignidade a crianças e adolescentes pelo mundo. Afinal, nenhuma outra norma internacional relativa a direitos humanos alcançara ratificação tão extensa.
Ledo engano. "Juízo", documentário da diretora Maria Augusta Ramos, traz um desalentador retrato não apenas de certa cultura judicial deste país, mas sobretudo das instituições que deveriam estar voltadas à garantia de direitos humanos de crianças e adolescentes.
Durante pouco menos de duas horas, tem-se uma sucessão de situações que causariam horror a qualquer jurista - a qualquer pessoa sensata, diria-, especialmente se relacionadas a um adulto. No entanto, tudo parece justificar-se, em maior ou menor medida, a magistrados, promotores de Justiça e defensores do filme por terem à frente... apenas adolescentes!
Em nome de uma suposta ação educativa para trazê-los à razão, esquecem-se do principal: o exercício de um papel institucional que deveria se pautar pela garantia de direitos e pelo respeito às liberdades fundamentais.
Desconsideram que a verdadeira educação, nos próprios termos da convenção, não tem senão esses mesmos objetivos.
É nesse ponto que o filme mostra seus limites. Focado em alguns poucos operadores do direito, deixa de lado o contexto institucional e cultural em que se inserem.
A despeito de ações várias da sociedade civil denunciando a falta de formação específica desses profissionais para lidar com crianças e adolescentes, vê-se que o direito da criança e do adolescente é considerado disciplina "menor", como "menores" são vistos os profissionais que atuam na área.
Raras são as faculdades de direito do país que contemplam em seus currículos a matéria - nem como optativa, muito menos como obrigatória. Quando esses profissionais prestam concursos de ingresso às carreiras jurídicas, quantas não deixam de questioná-los sobre conhecimentos específicos na área. Sem preparo, são lançados a lidar com processos envolvendo questões tormentosas, individuais e sociais, faltando-lhes não apenas uma visão holística e interdisciplinar como referenciais de ação sistêmicas que lhes permitam efetivamente a garantia de direitos. "Juízo" representa uma dura crítica ao abandono e à falta de valorização a que é relegada a Justiça da Infância e da Juventude neste país.
Como vilão neste filme não é apenas a Justiça, ele põe em xeque ainda muito mais: a capacidade da sociedade civil e do poder público de questionar o modo de funcionamento do que deveria ser um sistema de garantia de direitos, como a própria abertura da Justiça e das demais instituições às críticas que lhes sejam feitas.
A Justiça da Infância e da Juventude tem por missão, constitucionalmente, a defesa e a garantia de direitos humanos individuais e sociais de crianças e adolescentes e de suas famílias e já foi capaz de demonstrar sua capacidade vanguardista no cumprimento de suas ações neste país.
Se o Brasil é reconhecido mundialmente pela qualidade de sua legislação e pela força de suas instituições, isso se deve em muito à ação articulada e integrada de magistrados, promotores de Justiça e advogados comprometidos com uma perspectiva garantidora de direitos.
Não por outra razão, é a única área em que juízes e promotores - e defensores, talvez, agora- conseguem superar diferenças e se associam por uma causa comum, que passa continuamente por uma busca de aprimoramento e reordenamento institucional para cumprimento de sua missão.
"Juízo" é um retrato daquilo que não podemos nem queremos ser, é a fala calada de adolescentes a exigir realmente de nós, magistrados, promotores de Justiça e defensores públicos, mas também de toda a sociedade... justiça.

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EDUARDO REZENDE MELO, 39, juiz de direito de São Caetano do Sul (SP),
é vice-presidente da ABMP (Associação Brasileira de Magistrados
e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude).
(Fonte: Folha de S. Paulo Online)

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