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67 metros para a "liberdade"

Desespero. Angústia. Coragem. Loucura. Talvez a soma destes ingredientes seja a receita para os suicídios que ocorrem na ponte Golden Gate, cartão postal da cidade de San Francisco (EUA), considerada o lugar com o maior índice de suicídios no mundo.
Deixando as estatísticas, os números tomaram forma e receberam nomes a partir do documentário The Bridge (A Ponte - 2006), primeiro trabalho de Eric Steel na direção.
Com um orçamento baixíssimo - apenas US$ 25 mil - em 2004 Steel e sua equipe reuniram mais de 100 horas de filmagens (durante o dia), registrando o movimento da ponte e flagrando dezenas de tentativas de suicídio e 24 pessoas que efetivamente jogaram-se para um vôo mortal de 67 metros. A única exceção foi Kevin Hines, 24 anos, que incrivelmente sobreviveu à queda e apresenta um relato raro: “[quando saltei] percebi que tudo na minha vida que eu via como irremediável era totalmente remediável, a não ser o salto que tinha acabado de dar” (saiba mais - em inglês). O depoimento de Hines soma-se ao de familiares e amigos daqueles que encontraram a morte ao se chocar com as águas da baía de San Francisco, todos coadjuvantes da história de Gene, escolhido como fio condutor do filme.

A Ponte
Inaugurada em 27 de maio de 1937, a Golden Gate é uma ponte estaiada com quase 3 quilômetros de extensão, 27 metros de largura e chega a 227 metros de altura. Estima-se que a queda da ponte dure aproximadamente quatro segundos, momento em que o corpo atinge a água a uma velocidade de 120 km/h, o que geralmente é fatal. Os administradores da ponte colocaram uma mensagem na ponte (foto) que desaconselha o salto.

Morbidez
A crítica foi implacável com o diretor de A Ponte. Entre os motivos estão o sensacionalismo, o estímulo ao fascínio pela imagem da morte de um ser humano. Confira a opinião de Eduardo Valente, da Revista Cinética.
Embora o filme tenha sido exibido no Brasil na 30º Mostra Internacional de Cinema (2006), só assisti nessa semana. Realmente uma pergunta que fica no ar é como uma equipe de filmagens fica um ano inteiro em um local, para registrar imagens de suicídio, sem que haja alguma medida para tentar evitar com que eles se efetivassem. Alguém mais frio diria: "Aí ele não teria o filme dele!". Mas, contradizendo esse pensamento, o próprio diretor afirmou à BBC que "toda vez que alguém punha um pé sobre a mureta, a primeira coisa que fazíamos era ligar para a patrulha da ponte", contabilizando que seis suicídios teriam sido evitados graças à intervenção dele e sua equipe. Há informações, também, que o filme deu origem a uma campanha para a construção de parapeitos mais altos na Golden Gate, o que efetivamente não aconteceu.
Além de uma crítica, o editor de Cine Repórter, Rodrigo Carreiro, traz uma revelação: o diretor do documentário teria omitido suas reais intenções ao pedir autorização para filmar a ponte durante o dia, em um ano inteiro. Segundo Carreiro, Steel "disse às autoridades que faria um documentário sobre aquela que é uma das maiores obras de engenharia do século XX, e um dos pontos turísticos mais visitados do país". A autorização foi obtida no final de 2003, as filmagens seguiram-se por todo ano de 2004 e somente em 2006 revelou-se a verdadeira intenção do diretor.
O fascínio pela morte ou pela desgraça alheia é intrínseco ao ser humano. Quem mora em grandes cidades, como São Paulo, não pode deixar de observar o quanto é incrível o número de pessoas que olham para o alto de um prédio quando alguém ou um grupo olha para cima. Curiosidade? Morbidez?
Aqui no Brasil, quem não se recorda da tarde do Dia dos Namorados do ano 2000, quando Sandro Nascimento, Geísa Gonçalves e os policiais do BOPE foram protagonistas de um filme real, com suspense, violência e morte, transmitido ao vivo em rede nacional pelas principais emissoras do país? Dois anos depois, o caso foi para as telas através do filme documentário Ônibus 174, que já contava com a parceria entre o diretor José Padilha e o ex-policial Rodrigo Pimental, repetida em Tropa de Elite.
Ou, o que dizer de filmes como Faces da Morte (eu não assisti, mas já me contaram como é) ou Jogos Mortais (assisti o primeiro recentemente)? Outro dia, na locadora, vi um filme classificado na capa como o primeiro a usar um cadáver real nas filmagens!!! Unrest recebeu o sugestivo e "criativo" título em português de Cadáveres... (Leia mais)

Superando a dor do Suicídio
O tema suicídio tem um aspecto pessoal para mim. Minha mãe tirou a vida (depois de algumas tentativas) quando eu tinha 10 anos. Ela jogou-se do oitavo andar do prédio onde morávamos. Isso levou-me a criar uma comunidade no Orkut, com o nome Superando a dor do Suicídio, que é o título de um livro escrito por Albert Hsu, um editor de livros que narra sua experiência a partir do suicídio de seu pai. O subtítulo é "Como encontrar respostas e conforto quando alguém a quem amamos tira a própria vida".
Ou seja, a linha condutora do livro não é tentar entender o que motiva o suicídio, mas traçar um perfil daqueles que ficam. Nos EUA é comum o uso da terminologia sobreviventes de um suicídio para familiares ou amigos próximos a uma pessoa que tirou sua própria vida e que experimentam um grande e insuperável trauma psicológico.

Algumas informações sobre o tema
- A palavra suicídio (etimologicamente do latim sui = si mesmo; -caedes = ação de matar) foi utilizada pela primeira vez por Desfontaines, em 1737 (Fonte: Jus navigandi)
- Nos EUA, se estima que a cada ano ocorram 30.000 mortes decorrentes de suicídio, sendo que as tentativas de suicídio que não terminaram em morte são estimadas em 8 a 10 vezes esse número. Atualmente, o suicídio ocupa a 8a posição entre as causas gerais de morte nos EUA, depois de problemas do coração, câncer, derrame, acidentes, pneumonia, diabetes e cirrose (doença causada pelo uso excessivo do álcool). (Fonte: ABC da Saúde)
- Dados do Ministério da Saúde indicam que a taxa de suicídio aumentou 34%, entre 1979 a 1997. Em 1997, 6.920 pessoas teriam cometido suicídio. A população masculina jovem – de 20 a 24 anos – é o grupo que se encontra em maior risco para tal violência. Outros dados informam que, de 1991 a 2000, aconteceram 62.480 mortes por suicídio.
- Estatísticas da Agência de Polícia Nacional Japonesa revelam que o número de mortes em 2003 chegou a 34.427, o que significa um índice de 27 para cada cem mil habitantes. No ano 2000, a taxa no Japão foi de 34,1, comparado a 10,4 nos Estados Unidos, e 4,1 no Brasil. (Fonte: Revista Espaço Acadêmico - nº 44 - Janeiro/2005)
- A Rede Record exibiu em setembro do ano passado, no programa Domingo Espetacular, uma matéria sobre o tema segundo a qual "de acordo com estudo divulgado pela Organização Mundial de Saúde, um milhão de pessoas tiram a própria vida a cada ano, um número superior ao de baixas causadas anualmente pela guerra ou assassinatos, no mundo inteiro".
- No Brasil não encontrei grupos específicos para auxílio aos sobreviventes de uma morte por suicídio. Já nos EUA, destaco o Survivors of Suicide. Antigamente, havia também o site 1000 Deaths ( Mil Mortes - atualmente fora do ar) baseada em um pensamento:
Um suicida morre uma vez. Os que são deixados para trás morrem mil vezes tentando entender o porquê.
Retratos & Reflexos
Essa semana não vou colocar uma fotografia aqui. Motivado pelo tema de hoje e pelo pensamento "O que eu poderia fazer?", aqui vai um quadrinho dos Malvados, para reflexão:

1 Opiniões:

Anônimo disse...
10/3/08 10:44 AM

muito bom davidson.
gostei do estilo jornalístico (lógico), só não sabia q o tema estava tão próximo a vc. sinto muito. tenho caso de suicidas na família da minha mãe tb. acho q tem toda uma questão patológica q precisa ser considerada. estive muito próximo ao rubem ciola na época de sua morte, q com uma espécie de auto-entrega-radical, cumpriu o mesmo destino do irmão q havia se atirado do ed. itália anos antes.
mas apesar de toda dor e perplexidade creio q o suicídio acaba sendo uma opção. não a melhor. mas a única, pelo menos ao suicida.
essa lógica q não entendemos e faz todo sentido ao q se mata, ou tenta.
lógica q termina qdo se é bem sucedido.


joão ali


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