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Sexta-feira agitada

CENA 1: Não houve tempo. Foi uma fração de segundos. Quando olhei, ele já estava apontando prá mim e... "BUM!". Aquele frio na espinha, os olhos se fecham por reflexo.

CENA 2: Tudo em volta está fechado. Grades e mais grades. Quase não é possível respirar. Os policiais controlam todos o movimentos. É melhor não fazer nada bruscamente. O tom verde das grades não tem nada de patriótico com o tom amarelo do uniforme de presidiário.

Vivi estas duas cenas na manhã de ontem. Não, não se preocupem. Não levei um tiro e muito menos fui preso. As cenas acima são fruto da minha primeira audiência oficial no Tribunal do Júri, como estenotipista, função que ocupo há quase um ano. Porém, como atuo na área cível, o clima geralmente é outro. Há os casos de família, às vezes constrangedores, mas nada se iguala às audiências criminais.

Antes, é interessante entender como funcionam os casos que vão a júri popular:
Em primeiro lugar, só vão a júri popular, os casos de crimes dolosos contra a vida em que presume-se que o réu seja culpado: homicídio; induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; infanticídio; e aborto.
O procedimento tem início quando o Juiz emite a pronúncia. No Brasil, o Tribunal do Júri é composto pelo Juiz, que preside o julgamento, e por sete jurados, que são sorteados dentre 21 convocados. O Promotor de Justiça senta-se ao lado do Juiz, a acusação em ângulo reto à mesa do Juiz e o réu de frente para o corpo de jurados.
O início dos trabalhos dá-se com o interrogatório dos réus. Logo após, o Juiz faz um relatório do processo e, em seguida, começa a fase de leitura de peças e apresentação de outras provas, como fotos, vídeos ou gravações de áudio, geralmente o que demora mais. Na seqüência, são ouvidas as testemunhas, primeiro as da acusação e depois as da defesa.
A próxima fase é chamada Debate. Promotor de Justiça e Defesa têm duas horas, cada um, para falar. Depois, é dada meia hora de réplica ao Promotor e mais meia hora de tréplica à defesa.
Após os debates, o Juiz faz a leitura e explicação dos quesitos ao júri, ou seja, explica os questionamentos a serem respondidos a partir das teses da acusação e da defesa e de cujos votos (sempre sim ou não) sairá a solução do caso. Os jurados se reúnem na chamada sala secreta para definir os votos. O advogado e o Promotor acompanham o grupo, para dar esclarecimentos em caso de dúvidas, não sendo permitido a troca de impressões. Os jurados ficam incomunicáveis o tempo todo do julgamento. Se passar de um dia, ficam isolados em acomodações oferecidas pelo Poder Judiciário, sob vigilância de oficiais de Justiça, sem poder ter qualquer contato com o meio externo (telefone, rádio, TV, revistas, jornais, Internet, etc).
Quando todos os jurados definem seus votos, voltam novamente à presença do Juiz, que recebe a decisão do conselho de sentença. Nesses casos, o Juiz sempre acata a decisão da maioria dos jurados, cabendo a ele apenas a determinação das penas. No Brasil, ao contrário de países como os Estados Unidos, o júri não precisa de uma decisão unânime.
Dada a sentença, promotoria e defesa podem recorrer ao Tribunal de Justiça, que anula ou confirma a decisão. Pode então ser marcado um novo julgamento. Caso o réu seja absolvido uma vez, julgado de novo e novamente absolvido, não há mais como recorrer (Saiba mais sobre o tema).

A Cena 1 ocorreu quando uma vítima, ao prestar seu depoimento, contou como o amigo foi morto em um crime absurdo, ocorrido em 1994. A testemunha levantou-se da cadeira, fez o gesto de mirar com uma arma e usou este pobre estenotipista como "alvo" para demonstrar o que acontecera. Juro que deu prá sentir o que aconteceu naquele dia, há 13 anos atrás.
A Cena 2 ocorreu logo após serem ouvidas as testemunhas, durante o intervalo, quando fui colher a assinatura do acusado na carceragem do Fórum Criminal. O lugar é claustrofóbico, assustador. Deu prá se ter uma vaga idéia de como são as instalações penitenciárias. Por outro lado, dava para perceber o quanto a privação da liberdade pode alterar a vida de um ser humano.
Além de tudo, é impossível imaginar como todos os nossos atos têm conseqüências. A vida de duas famílias (no mínimo) foi totalmente alterada em uma madrugada. Uma vida foi ceifada, uma pessoa gravemente ferida e um jovem de 18 anos, de classe média alta, ficou 11 anos fugindo da Justiça, carregando o peso de uma morte na consciência. Tudo sem uma razão ou justificativa aparente. Fatalidade, imprudência e falta de juízo.

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