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Arte & Diversão

Qual seria o resultado da mistura de um ex-padre pernambucano com uma dona de casa baiana? Algumas seriam as possibilidades, porém a que eu conheço recebeu o nome de Péricles Cavalcanti. Primeiro, só o conhecia de nome. Depois, pessoalmente, em um show realizado em 2004, quando fui escalado pelo EntreCantos para escrever sobre o evento. Fiquei impressionado. Reproduzo o trecho final do meu artigo:
[O músico e compositor] já foi “cantado” nas vozes de Caetano Veloso, Gal Gosta, Arnaldo Antunes, Adriana Calcanhoto e Cássia Eller, entre outros, (...) e talvez se sinta "só mais um na estrada" pois a estrada da boa música brasileira não admite a massa de produtos fabricados que precisam de marketing, da repetição exaustiva nas FMs e até virar trilha de novela para alavancar a carreira.
Para complementar o tempero deste carioca criado em São Paulo, ele conviveu na juventude com Gilberto Gil e foi aluno de Marilena Chauí no curso clássico, o que certamente o incentivou a fazer filosofia, na USP. Nessa época viu nascer o Tropicalismo. E a Ditadura. O que o levou para Paris e depois para Londres, onde encontrou Caetano Veloso e um grupo de escritores e artistas brasileiros. Voltou para o Brasil em 1971 e, a partir de então, suas composições foram cantadas por vozes como Gal Costa e Miúcha. Foi o começo de uma longa trajetória, que você pode acompanhar, com mais detalhes, no site pessoal do músico.
Quando recebi o último trabalho de Péricles, o CD O Rei da Cultura, três palavras me vieram a mente: criatividade, arte e diversão. É o que você pode perceber, no DoxaBrasil Online, com a música O Galope do Guitarrista Apaixonado, que abre o CD. Ouvi todas as músicas e fiquei sem palavras. Percebi o quanto a posição do crítico é ingrata. A partir do momento em que se dispõe a analisar um trabalho, seja um CD, uma peça teatral, um livro, há uma forte tendência a uma análise formal. E se esquece que arte é, antes de tudo, entretenimento, diversão, expressão pessoal.
Por isso, demorei a escrever sobre O Rei da Cultura. Preferi curtir um pouco mais. Ouvir no carro. Gravar no MP3 e ouvir caminhando, no ônibus, no metrô. E perceber melhor o quanto Péricles brinca com as letras e com os sons. É isso. Ele se diverte com seu trabalho. De longe, não é um produto massificado. Mas, também, não é um produto elitizado. É cultura. É arte. E arte independe do sexo, da classe social, do nível cultural. A verdadeira arte atinge todas as pessoas. Claro que de diferentes formas, provocando diferentes reações.
Lembrei de Fernando Pessoa:

O essencial
da arte é exprimir;
o que se exprime
não interessa.

Embora meio radical, é uma verdade. Por um lado, penso que o artista pode ser vítima de duas censuras: a autocensura e a censura do alto. Na primeira, o medo de não ser compreendido pode filtrar o processo de criação, tornando-o pasteurizado, tirando sua identidade, sua essência. Na segunda, o próprio meio provoca a mediocrização, através do império das gravadoras, editoras, galerias de arte, mídia e críticos. Nos dois modos, também há o ingrediente fama & dinheiro. Se o artista não produzir "o que seu patrão quer", para atender "o que a mídia quer" e determinar "o que o povo quer", não se tornará uma celebridade e não vai faturar.
Do outro lado da arte, quando o artista consegue vencer, pelo menos parcialmente, essas censuras e exprimir seus sentimentos, às vezes somos nós que nos fixamos tanto em tentar entender, que não sentimos a arte. Por isso, não vou dissecar o CD faixa por faixa, falar sobre a forma de composição das letras ou da gravação das músicas. A história do Péricles está contada em seu site. A história deste CD é você quem construirá. Então, vou apenas sugerir: Ouça. Sinta. Curta.
No MySpace, você pode conferir outras músicas deste trabalho e alguns clipes. Também vale a pena conferir o resultado de outra "produção" de Cavalcanti, seu talentoso filho Leo Cavalcanti.

O GALOPE DO GUITARRISTA APAIXONADO
Péricles Cavalcanti

minha linda guitarrinha
você vai ter que ser minha
custe o custo que custar
desde o dia tão sublime
que eu te vi lá na vitrine
não consigo mais pensar
noutra coisa diferente
que me deixe tão contente
quero muito te pegar
já faz mais de uma semana
tô juntando aquela grana
tô chegando quase lá
já vendi a minha moto
já joguei até na loto
sou capaz de trabalhar
já não tenho nem mais sono
nem bem bebo nem bem como
vivo só pra te buscar
minha linda guitarrinha
você vai ter que ser minha
custe o custo que custar
ah! eu quero te pegar
como eu quero te pegar

Péricles vozes, guitarra, baixo e gaita
Pedro Sá guitarras
Guilherme Kastrup bateria
Leo Cavalcanti timbau

1 Opiniões:

Pablo Ramada disse...
13/11/07 3:20 PM

Nosso Brasil é essa mistura de gente fina, gente gorda, gente feia, gente linda, gente feliz, gente que sofre, mas que sabe o potencial que tem.

Ser Brasileiro!!!


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