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Você pode estar processando

Enfim, o consumidor poderá ter mais sossego no lar

Rizzatto Nunes
De São Paulo

Os nomes são fictícios, mas a história é verídica. Certo dia, num sábado pela manhã, João recebe um telefonema em casa. A pessoa do outro lado da linha foi logo dizendo: "João?"

Ele se surpreendeu, pois apenas o pai e a mãe o chamavam pelo primeiro nome. Os demais sempre diziam "Costa", seu sobrenome. Era, claro, um operador de telemarketing e, como o roteiro que eles utilizam é mal feito, ele seguiu o padrão: Sem conhecer João, ele o chamou pelo primeiro nome e diretamente. Sem pedir licença, sem autorização.

Muito bem. O operador disse que trabalhava para um banco ou algo assim e ofereceu um produto. João, então, perguntou ao operador: "Qual seu nome?".

Ele forneceu um (que, usualmente, é inventado). João falou: "Fulano, eu estou muito interessado, mas acontece que neste instante estou com a Tina no colo, você conhece?"

Tina é a filha dele, com pouco mais de um ano de idade. E, como a pergunta que ele fez fugia do padrão estabelecido, o operador engasgou e depois respondeu: "Não..."

"Pois, é", disse ele, "Ela está de fralda e eu preciso trocá-la para não ficar assada, entende?"

Do outro lado da linha, o operador engasgou novamente, pois não tinha resposta para aquilo. Daí, João disse: "Olha, eu estou muito interessado em fazer negócio com vocês, mas agora eu não posso, pois vou trocar minha filha. Vamos fazer o seguinte: Você me dá o número do telefone de sua casa, que eu te ligo à noite para fecharmos negócio".

O operador, então, disse com firmeza: "Mas, eu não posso te dar o telefone de minha casa".

Na seqüência, João falou: "Bem, se é assim não ligue mais para mim, pois eu não te dei o número de meu telefone" e desligou.

Faz anos, que os consumidores estão sendo violados pelo pessoal do telemarketing ativo via telefone fixo e também pelo celular. Realmente, a situação tornou-se insustentável e se, a partir de agora, começa a haver uma reação com a aprovação de leis restritivas, é bom deixar claro que a culpa é desses prestadores de serviços, que poucas vezes respeitaram os consumidores, fazendo ligações indesejadas, em horários inadequados, sem pedir licença, invadindo os lares, insistindo em falar contra a vontade do consumidor, às vezes de forma bruta, abrupta e despreparada. Isso, sem falar nas várias ofertas enganosas feitas por esse canal de vendas. A insatisfação é geral.

Pois bem, essa violação está com os dias contados, ao menos, no Estado de São Paulo. É que já está em vigor o Decreto Estadual nº 53.921/2008, regulamentando a Lei Estadual nº 13.226 de 07-10-2008 que criou o "Cadastro para Bloqueio do Recebimento de Ligações de Telemarketing". É legislação que está em perfeita sintonia com os princípios constitucionais vigentes, em especial o da garantia do inciso X do art. 5º da Constituição Federal que tornou invioláveis, dentre outros direitos, a intimidade e a vida privada das pessoas.

O Decreto do Governador José Serra encarregou o Procon do Estado de São Paulo de implantar, manter e disponibilizar o citado cadastro, que está em funcionamento desde 27 de março próximo passado. O funcionamento do cadastro é bastante simples, como eu mesmo constatei ao cadastrar meus números de telefones.

Basta acessar o site do Procon (www.procon.sp.gov.br) e clicar em "Cadastro para Bloqueio do Recebimento de Ligações de Telemarketing". Aparecerá uma tela com três opções: uma para bloquear e desbloquear números, outra para reclamações e outra para os fornecedores. É só clicar ao lado em "Cadastro de Bloqueio" e fazer a inscrição, preenchendo alguns dados, inclusive fornecendo endereço de e-mail para onde será enviada a comprovação da inscrição. Cada consumidor pessoa física ou jurídica pode inscrever nesse primeiro momento cinco números de telefone fixo ou móvel. Se o consumidor tiver ainda mais números, poderá bloqueá-los posteriormente utilizando a senha que será remetida para seu e-mail. Para aqueles que não tem internet, o bloqueio poderá ser feito pessoalmente nos postos de atendimento do Poupatempo. O cadastramento em qualquer caso é gratuito.

Após 30 dias da inscrição, as empresas ficam proibidas de ligar para os números bloqueados, a não ser que tenham autorização por escrito. Mas, anote: atento às eventuais manobras dos fornecedores para burlarem a lei, o Decreto deixou desde logo estabelecido que é prática abusiva condicionar o fornecimento de produto ou serviço à exclusão ou não-inserção do número de linha no cadastro ou à entrega da autorização para receber ligações. Fez bem, pois deixa clara a questão, apesar de a mesma já estar capitulada no art. 39, V do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e também no art. 51, IV e XV e parágrafo 1º, que cuidam das cláusulas contratuais abusivas. E, no mesmo espaço reservado para o cadastro de bloqueio há um ícone com opção para registro de reclamação do desrespeito ao bloqueio, que gerará punições às empresas infratoras, de acordo com CDC.

Trata-se de uma vitória de todos os consumeristas, que há anos lutam para impedir as constantes violações desse tipo de serviço. É um bom exemplo dado pelo Estado de São Paulo, que poderá - esperamos - ser seguido por outros Estados-membros da Federação. Os consumidores estavam - como estão - tão cansados desse tipo de violação que, só para se ter uma ideia, em apenas uma semana de funcionamento do Cadastro, 100 mil pessoas já tinham se inscrito, um verdadeiro recorde. O número de linhas incluídas superou 182.000 (com uma média de 1,82 linhas por pessoa).

Eis, pois, uma boa notícia a todos os consumidores cansados de serem violados. Eu já cadastrei meus números, e você?

Rizzatto Nunes é mestre e doutor em Filosofia do Direito e livre-docente em Direito do Consumidor pela PUC/SP. É desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Autor de diversos livros, lançou recentemente o "Bê-a-bá do Consumidor" (Editora Método). Coordena um site voltado ao Direito do Consumidor e à Defesa da Cidadania, no qual tem seu blog: www.beabadoconsumidor.com.br

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