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In God We Trust

Detroit apela a Deus contra a crise
Berço das montadoras dos EUA teme trocar o título de capital do automóvel pelo de capital do desemprego
Cleide Silva, DETROIT

Deus tenha compaixão de nós nesses tempos de recessão econômica que colocou a indústria americana e seus trabalhadores em grande risco. Pedimos especial proteção, força e renovação para sermos ainda mais rápidos na reinvenção de produtos americanos.

Nós agradecemos, Senhor.

Os americanos de Detroit decidiram apelar a Deus para que a indústria automobilística, que vive sua pior crise desde a Segunda Guerra Mundial, escape da falência e não demita funcionários. Na terça-feira, dia 14, cerca de 250 trabalhadores ligados ao UAW, o poderoso sindicato dos metalúrgicos das montadoras dos Estados Unidos, se reuniram em Warren, na Grande Detroit, para pedir ajuda aos céus e às autoridades para manterem seus empregos.

Ao lado de um modelo Dodge da Chrysler e portando cartazes com a frase "compre carros americanos", eles oravam a Deus a cada intervenção feita pelo reverendo Roger Facione, da Igreja Luterana Mount Calvary, que iniciou o encontro pedindo ajuda divina contra a grave situação do país, sem mencionar que a crise se alastra por todo o mundo.

A crise financeira piora ainda mais a situação da já decadente indústria, formada pelas três maiores fabricantes: GM, Ford e Chrysler. De capital do automóvel, Detroit está sendo chamada de capital do desemprego. Michigan, cuja maior cidade é a capital Detroit, é o Estado americano com maior taxa de desemprego - 9,6% da mão-de-obra ativa. A falta de emprego puxa a pobreza, que atinge um em cada três habitantes, segundo entidades locais.

Diante da ameaça de falência de uma das companhias, trabalhadores, governos locais e igreja decidiram defender a qualidade dos carros americanos, conclamar os consumidores a comprarem modelos nacionais e pedir uma política especial para o setor. As montadoras empregam cerca de 240 mil trabalhadores, mas toda a cadeia produtiva soma 3 milhões de pessoas em Michigan.

Há dez anos, GM, Ford e Chrysler detinham 65% do mercado americano. Hoje, a participação está abaixo de 50%.

"Queremos mostrar como é importante apoiar a indústria automobilística americana", diz o presidente do UAW em Warren, Harvey Hawkins Jr. "Há pessoas que não entendem que, se as montadoras falirem, também vão perder seus empregos, mesmo que não trabalhem diretamente no setor."

Hawkins teme a entrada de carros chineses no mercado, ação ensaiada há quatro anos. "Eles poderão vender carros aqui, mas nós não poderemos vender nossos carros na China." O protesto também incluiu as marcas japonesas, cuja maior representante, a Toyota, já é a segunda maior vendedora de carros nos EUA e a primeira no mundo, destronando mais de 70 anos de reinado da GM.

Sobre a ajuda financeira que o presidente George W. Bush deu às montadoras, de US$ 17,4 bilhões, Hawkins diz que "não havia outra escolha". O UAW, que sempre obteve grandes conquistas junto às montadoras, "também não tem escolha", diz ele. "Vamos renegociar os benefícios de hoje para garantirmos o trabalho de amanhã."

Aos 38 anos, Hawkins é empregado da Chrysler desde os 23. Diz que, em 2007, os trabalhadores aceitaram congelar os salários. Antes, havia reajustes anuais de 3%, em média, num país quase sem inflação.

Joe Phillips, presidente da Organização Nacional dos Aposentados da Chrysler - que representa 16 mil pessoas -, culpa o governo pela crise, que pode levar os aposentados a perderem benefícios. "A indústria americana tem o carro certo para o consumidor, mas não pode vendê-lo porque o governo acabou com o crédito do mercado."

Phillips, hoje com 70 anos, aposentou-se em 2000, após 36 anos de Chrysler. Nos últimos três anos, perdeu o equivalente a 40% de sua renda, pois tem de bancar o seguro saúde, antes incluído na aposentadoria. Ele vive com a esposa, a filha e o neto e diz que "se a aposentadoria fosse boa estaria morando na Flórida, não em Michigan".

"O que aconteceu com o sonho americano?", questiona Hawkins, do UAW. "Nossos filhos terão futuro?" Para o taxista Jerry Morris, a saída está nas mãos de Barack Obama. "Ele é um enviado de Deus", diz.

O reverendo Facione também ora pelo presidente eleito:
"Pedimos uma bênção particular para Barack Obama, assim como para os membros do Senado para que assumam o compromisso de ajudar a indústria americana, particularmente a automobilística e seus trabalhadores. Com sua força, Senhor, nossa habilidade fará a diferença naquilo que outros dizem que não pode ser feito."

Nós agradecemos, Senhor.

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