NOVOS TEMPOS
Internet não substitui o repórter
Disturbios no Irã mostram que, apesar da tecnologia, presença do jornalista é imprescindível
Logo após a 1ª Guerra Mundial, o sociólogo alemão Max Weber proferiu uma conferência em Munique sobre jornalismo.
"Nem todos percebem que escrever um texto jornalístico realmente bom exige tanto do nosso intelecto quanto um trabalho acadêmico", disse ele aos estudantes. "Isso se aplica especialmente quando estamos reunindo material para um artigo que tem de ser escrito no momento e tem de ter repercussão imediata, mesmo sendo produzido em condições totalmente diferentes de quando realizamos uma pesquisa acadêmica. No geral, ignoramos que a verdadeira responsabilidade de um jornalista seja muito maior do que a de um acadêmico."
Sim, jornalismo é uma questão de gravidade. A tendência hoje é a de destruir a reputação em vez de elogiar a mídia.
Em meio aos gritos de doutrinação partidária envolvendo a posse do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e os toques de sinos anunciando a morte da imprensa, uma verdade fundamental se perde: a de que ser jornalista é ser testemunha dos fatos. O resto é decoração.
Ser testemunha dos fatos significa estar presente. Nenhum buscador na internet consegue transmitir o odor de um crime, o tremor no ar, os olhos que ardem, os ecos de um grito.
Nenhum buscador de notícias vai lhe falar sobre a cidade devastada suspirando ao anoitecer, nem dos gritos desafiadores ouvidos noite adentro. Nenhum milagre da tecnologia pode reproduzir essa sensação de boca seca que o medo causa. Nenhum algoritmo vai capturar a dignidade sem alarde, não vai provocar a carga de adrenalina que se funde com a coragem nem expor as marcas ainda frescas de uma chicotada.
Indignação
Confesso que, longe do Irã, sinto-me consternado. E tenho refletido sobre a responsabilidade de ser uma testemunha dos fatos . É algo singular: a conexão não quer dizer presença.
Uma parte de mim ficou em Teerã, entre as praças Enquelab (revolução) e Azadi (liberdade), onde vi o povo iraniano se insurgir aos milhões, reclamando seus votos e protestando contra a violação da Constituição.
Nós, jornalistas, devemos seguir adiante. É o que costumamos fazer, como voyeurs insaciáveis. Mas uma vez em mais ou menos uma década isso não acontece. É como se estivéssemos apaixonados. Mas o objeto do nosso amor se vinga, vira o jogo e não nos deixa ficar.
A Constituição iraniana estabelece que o presidente do país é eleito "por voto direto do povo" e não pela invocação fictícia da vontade de Deus. O aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da Revolução de 1979, disse em 1978 que "nossa futura sociedade será uma sociedade livre e a pressão, a crueldade e o uso da força serão destruídos".
O regime ficou enfraquecido diante da mentira flagrante, que hoje só é corroborada pela força. Nenhum processo com fins propagandísticos poderá transformar essa mentira em verdade.
Fui um dos últimos jornalistas ocidentais a deixar Teerã. Ignorei a revogação do meu visto de jornalista e permaneci ali enquanto foi possível. Fiquei profundamente revoltado com a submissão ao grupo que cerca Ahmadinejad, que se apossou do poder quebrando o equilíbrio das instituições da revolução e cujo objetivo ficou claro: afastar qualquer testemunha ocular do crime.
Os iranianos testemunharam os acontecimentos – com imagens de vídeo em celulares, com fotografias, por meio do Twitter e outras redes sociais – conseguindo, assim, uma indelével acusação global dos usurpadores de 12 de junho.
Jamais Ahmadinejad falará novamente em justiça sem ser arruinado pelo efeito Neda – a imagem dos olhos sem expressão, a vida se extinguindo e o sangue escorrendo pelo rosto da jovem manifestante Neda Agha Soltan, baleada no peito em Teerã, no dia 20.
O Irã oprime o povo com sua tragédia. Foi insuportável partir. Ainda é. As imagens multiplicam-se pela internet, mas a mídia tradicional, disciplinada para destilar esses fatos, se omitiu.
O mundo ainda observa. Nós, americanos, quando celebramos nosso Dia da Independência, no dia 4, deveríamos ter nos colocado do lado do Irã, recordando a primeira revolução democrática na Ásia, ocorrida em 1905, justamente no Irã.
Hoje, 104 anos depois, os iranianos exigem que sua Constituição seja respeitada. Eles não serão silenciados. A base do regime diminuiu dramaticamente. E as divisões internas aumentam com a deserção de parte do establishment clerical.
Nas minhas memórias, volto a estar na Praça Ferdowsi, no dia 18. Uma mulher me diz com entusiasmo: "Esta terra é minha terra." Ela diz que Ahmadinejad é um "halo sem luz" – frase do hino nacional do Irã.
De um lugar distante ainda ouço esses sons e sinto como se essa distância fosse uma traição não só a todas essas corajosas vozes que podem ser ouvidas noite adentro, mas também à "verdadeira responsabilidade" de um jornalista.
Roger Cohen, colunista,
é especialista em política externa
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